quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O dedo de Adão


Recebi um E-mail no qual havia um link para uma página, na qual seu autor propunha, por meio de uma série de perguntas, traçar um perfil da personalidade do visitante e equipará-la ao perfil de algum super-herói. “Qual herói você seria?” Não fiz o teste, mas, se pudesse escolher, escolheria ser o herói com o super-poder mais bacana.

Ao se falar em super-poderes e perfil psicológico, penso logo em Jung, que não era um super-herói, mas acreditava ter um super-poder: a Sincronicidade. Mais do que causalidade, a Sincronicidade é uma espécie de sexto sentido que faz com que o indivíduo descubra determinados fatos antes de sua ocorrência. O fato do desejo intenso intervir na ocorrência dos fatos é outro aspecto do fenômeno: quando se quer muito algo, o algo acontece. Já tive um exemplo disso.

Certa vez, quis conhecer o presidente da companhia para a qual trabalhava: a chance de discutir a empresa de igual para igual com o chefe dos chefes. À época, fiz uma viagem de férias e, prestes a embarcar no vôo de volta a Brasília, tive a estranha sensação de que o encontro estava próximo.

“Vai sentar aqui?,” me perguntou o senhor que bloqueava o caminho para o meu assento. De todas as infindáveis combinações possíveis de dias, horários e lugares, ele estava ali onde eu estava, o senhor Ozires Silva, C.E.O da empresa, fundador da Embraer e futuro Ministro de Estado em época de crise aérea. Passei a próxima hora e meia ao lado do sujeito e não tive dúvidas: querer é poder.

Para Jung, quem quer que descubra os mecanismos da Sincronicidade terá “posto o dedo no umbigo do universo.” Se pudesse escolher um super-poder, seria esse: a Sincronicidade, a fim de traçar o rumo dos acontecimentos por mera vontade. Então, todos os dias, ao acordar, levantaria a mão e poria meu dedo ali, no umbigo do universo.

(Imagem: A Criação de Adão, de Michelangelo)

domingo, 21 de junho de 2009

Humor


Certa vez, há muitos anos, fui acordado de madrugada pela campainha. Abro a porta e vejo um amigo da família, bêbado de doer. Nada mais justo, afinal no dia anterior havia recebido a notícia de que sua esposa, filha e outros membros da família haviam morrido num acidente automobilístico. Tipo de incidente que deixa qualquer um louco ou suicida. Entendo que as pessoas sucumbam à dor.

Apesar do trauma e da penúria na qual vive hoje, é uma das pessoas mais bem-humoradas que conheço! Não sei o que o faz viver bem-humorado, seria bom descobrir e compartilhar com o mundo. Acho que nunca descobrirei a resposta: seja o que for, é dele, seu tesouro para guardar, daí não cabe a mim perguntar. Não serei eu a me apropriar da única coisa que lhe restou na vida.

domingo, 7 de junho de 2009

O autor da foto


Parado em frente à Centraal Station, carregando toda a indumentária de viajante, olho para o lado e me despeço da cidade enquanto um amigo ajeita a câmera que irá registrar o momento.

O conheci em Amsterdã, na rua, depois de sair de um albergue sem vagas -outro brasileiro em busca de um lugar para ficar. Malas em mãos, hotéis e hospedarias cheias, tivemos sorte ao encontrar uns alemães que nos indicaram um barco no cais, nossa única chance de um teto sobre a cabeça naquela noite.

Há uma história a ser contada em cada pessoa que se conhece e, uma vez estabelecidos para a noite, quis ouvir qual era a dele. Ele me disse que era de Rondônia e que, cansado de tudo, veio viver na Europa. Andarilho, já havia passado por vários países, viajando em ônibus ou trens, grande parte das vezes de forma clandestina. Até me contou uns truques que usava para burlar as alfândegas. Não perguntei o que fazia para conseguir dinheiro, mas tinha uma noção: deveria fazer o que fosse preciso. Para alguém que, como eu, tinha vinte e poucos anos, ele parecia já ter passado por muito nessa vida.

Aprendi muito naquela primeira viajem, interessantíssima tanto pelos museus visitados quanto pelas conversas com ilustres viajantes desconhecidos e brasileiros extraordinários, nos hotéis e nas ruas.

Tirada a foto, é hora de ir. Por mais extraordinárias que sejam as pessoas, despedir-se delas é surpreendentemente lugar-comum: com pesar, digo adeus e lhe desejo boa sorte. Depois, entro na estação, compro um bilhete e rumo ao próximo destino.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Oh, Data Bank!


"Praquê você precisa de um relógio assim?" Escutei a pergunta enquanto fuçava a lista de nomes em meu relógio. Numa época em que celulares com suas agendas telefônicas eram um luxo para poucos, os relógios Data Bank, que armazenavam de 50 a 100 números de telefone, eram bastantes úteis, especialmente naquelas horas em que você procurava gente bacana com quem passar o final de semana.

A pergunta da minha colega de faculdade, contudo, respondi de forma menos elaborada: "Pra ligar pra galera, quando eu estiver entediado." Imediatamente ela me pede o relógio, digita nele seu próprio número de telefone e me devolve dizendo: "Pra quando você estiver entediado."

O que aconteceu depois foi... Bem, o que aconteceu depois eu não conto para ninguém! Talvez aos amigos, em uma mesa de bar.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Aqui jazz

Enquanto as horas se arrastam na minha baia e me pergunto se há mais sobre a vida do que estar num cubículo, me vem à lembrança a imagem de uma pessoa de muito estilo, sempre elegante apesar do calço que usava a fim de compensar a baixa estatura. Festeiro e amante de belas mulheres, dentre as quais Marilyn Monroe, Jane Mansfield e Rita Hayworth, o bon vivant Jorginho Guinle foi o playboy por excelência, que gastou a fortuna herdada ao viver o estilo de vida dos ricos e famosos.

Próximo de sua morte, vivia de favores, pois havia torrado cada centavo ganho. Faleceu aos 88 anos e deixou como herança um rol de histórias invejáveis, inspiração para uma biografia intitulada -morram de inveja- Um Século de Boa Vida.

Volto para casa e, ainda refletindo sobre a vida de Guinle, coloco no tocador um disco de Jazz, seu gênero musical favorito, e celebro a noite já bem mais animado.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mr.Gorsky


Quando pisou a Lua, Neil Armstrong disse: “Good luck, Mr.Gorsky.” Surpresa na N.A.S.A e em todo o planeta, ninguém sabia o que aquilo significava.

Reza a lenda que, quando criança, Armstrong ouviu, enquanto brincava próximo à janela da casa de seu vizinho, o Sr.Gorsky, a esposa negar uma boquete ao marido: “Só farei isso no dia que aquele moleque do Armstrong pisar a Lua.”

A transcrição do áudio da Apollo 11 não revela a frase do astronauta e, ao que parece, toda essa história foi fabricada. Pouco me importa, contudo, a verdade nas histórias. Menos ainda se elas são divertidas como essa.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O que há na Turquia


“Por que você viaja tanto?” A pergunta de uma amiga me veio à cabeça enquanto revisitava um álbum de fotos, de uma época na qual o mundo, para mim, havia se tornado pequeno.

Pensei no que me motivou: os lugares que visitei e por que o fiz. Para cada visita a um sítio arqueológico ou ao cenário deste ou daquele filme, havia a expectativa de conhecer as histórias do lugar e, de alguma forma, vivenciá-las.

A resposta para a pergunta, feita muito tempo atrás, está na Turquia. E o que há na Turquia é o mesmo que há em qualquer outro lugar distante, desconhecido e idealizado do mundo: a matéria-prima com a qual os sonhos são feitos.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Jockey full of bourbon


Tempos atrás, li uma história em quadrinhos na qual o personagem principal é retratado num bar esfumaçado, vestido com um sobretudo, bebendo no balcão - cena chupada de algum filme Noir. Traga o cigarro, bafori a fumaça para o alto e diz: “despite all my rage, I’m still just a rat in a cage.” Do outro lado do balcão, um garçom concentrado em enxugar um copo com uma flanelinha o ignora. O bacana da história é que todos os diálogos eram, sem exceção, trechos tirados de canções.

Não me lembro o título da história, ou sei se fui o único a achá-la uma idéia genial. Sei apenas que há uma canção que reflete o espírito de cada ocasião e que, nessa madrugada, Tom Waits me acompanha, com Jockey full of bourbon. Lá lá lá lá lá lá láááá

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Heaven and Hell


Nervos em frangalhos pela tensão pré-show do dia. As horas não passaram, o trampo não rendeu. Nervos em frangalhos no estádio Nilson Nelson aguardando o início do show e um amigo me diz: “-O teto aqui já caiu.” Eu realmente não precisava ser lembrado disso e só consegui pensar: Caramba, o Dio não pode cantar, a vibração vai trazer o teto abaixo. Se esses caras tocarem os instrumentos, idem. O jeito é pedir que ele cante bem baixinho e que a banda toque bem baixinho, para eu poder sair daqui vivo.

Ensaiei mentalmente um “shhhh,” o som que as pessoas fazem enquanto repousam o dedo indicador sobre os lábios para pedir silêncio. Incluí a platéia no meu devaneio, erguendo os braços e mostrando a palma das mãos em sinal de “Pare!” ao menor sinal de ruído vindo do palco.

A verdade é que eu estava furioso porque o amigo me mostrou umas fotos que havia tirado com o Dio, e uma foto assim é para mim um sonho de consumo não realizado. A inveja é uma m$%&@ mesmo.

Brincadeiras à parte, o show foi excelente e o teto continua no mesmo lugar.

“-Agora já posso morrer,” me disse o referido amigo, satisfeito após o show.

“Então morra, maldito!” pensei.

Brincadeirinha, bricadeirinha!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ad infinitum


Um amigo se foi.
Quando o vi pela última vez, foi falastrão como sempre: narrou uma improvável aventura vivenciada em algum dos vários lugares que havia visitado. Sua vida parecia ser uma fonte inesgotável de boas histórias, uma vida que qualquer um gostaria de ter para si e, por isso, sempre o vi com admiração. Afinal, são essas as vidas que valem a pena serem vividas, certo? Que a festa nunca termine.

Quando o vi pela última vez, trocamos algumas rápidas impressões sobre coisas que gostávamos de fazer, tais como curtir a vida noturna ou ficar doidão de vez em quando, e como não fazíamos mais isso com a mesma vontade adolescente de muitos anos antes. É possível que houvesse nele um certo pesar que era o meu próprio, sobre coisas do passado, ao lembrar de um tempo em que todos éramos jovens, os amigos estavam sempre presentes, a vida era uma festa e o futuro nunca chegava.

Quando o vi pela última vez, senti que estávamos em sincronia, porém, ao que parece, havia nele pesares maiores do que os meus. Sempre pensei que com o passar dos anos todas as pessoas que conheci ficariam bem e, caso contrário, acontecesse o que acontecesse, sempre haveria alguém lá para elas. É duro, mas não é assim que funciona.
Muito triste pela perda ou feliz com as recordações alegres, minha vida é minha própria e continuo seguindo em frente.