quarta-feira, 26 de maio de 2010

Rumo ao pôr-do-sol


Ambrose Bierce foi ao México e sumiu em meio à Guerra Civil, sem deixar qualquer vestígio. Talvez tenha se cansado da rotina e decidido ir para longe, em busca de uma reviravolta em sua vida, da aventura que o cenário de guerra sugere. Talvez quisesse voltar para casa, mas algo terrível tenha acontecido e ele tenha simplesmente encontrado por lá um fim nada heróico ou aventureiro, apenas trágico. Não há uma história oficial, ninguém sabe o que aconteceu.

Não importa o que ambrose tenha feito durante a vida, o ser-humano que tenha sido ou os amores e anseios que tenha tido (tão iguais aos seus e aos meus?). Na sua trajetória, o que atrai é o seu final: foi-se embora para o longe para nunca mais voltar... FIM.

No âmbito das vidas banais, do lugar comum das pessoas que são levadas pela doença ou se tornam decadentes com a idade, o destino intrigante de Bierce é como uma cavalgada triunfal rumo ao pôr-do-sol, ao final de algum filme de faroeste: um adeus feito com classe.



"Quanto a mim, parto daqui amanhã rumo a um destino incerto."
(Trecho final da última carta escrita por Bierce, em 26 de dezembro de 1913)

sábado, 22 de maio de 2010

Vegas, a volta



A verdade está lá fora

Voltamos à Cidade dos Anjos à noite. Cruzando o Mojave, passamos próximo à Área 51, instalação militar de segurança máxima do Governo Americano, famosa pelos OVNIS e ETs que, dizem, existem ali. Enquanto discutíamos a veracidade do que acontecia lá dentro, o carro foi invadido por uma luz intensa, que transformou por um segundo o vidro da frente numa tela de luz:

"-Você viu aquilo, cara?"

"-Vi! Que p$&%@ foi aquela?"

Perplexos, gastamos uns bons minutos tentando descobrir o que havia acontecido. Não sei dizer o que atingiu o veículo, digo apenas que o nosso carro era o único na estrada e não havia uma única nuvem de chuva no céu.

Fim de jogo

Gostei de ver, do Flamingo ao Cesar's, os cassinos que funcionam 24h e oferecem todas as amenidades para atrair ao maior número de jogadores e sonhadores possível, e onde milhões e milhões são captados a cada hora. Ao final da viagem, saldo positivo para os cassinos e para mim.

sábado, 8 de maio de 2010

Vegas, a ida


Levado às Alturas

A oportunidade de conhecer Vegas veio quando um colega de quarto do Venice Beach Hotel, em Los Angeles, fez o convite: alugar um carro e ir à Las Vegas, dividindo os custos da viagem.

No dia seguinte, alugamos um carro e cruzamos o Mojave, de forma que chegamos à cidade no final da tarde, enquanto o rádio anunciava uma promoção nas diárias do Stratosphere, um dos grandes hotéis-cassino locais. O hotel leva esse nome devido a sua torre de 350m, a segunda maior do hemisfério ocidental. No topo, há um mirante cujo teto abriga duas atrações que fariam o Homem-Aranha sentir vertigem: o Big Shot, um assento que ejeta os participantes a alguns metros no ar e o X-scream, uma mini montanha-russa que circunda o topo.

Malas no quarto após o check-in, fomos ao mirante apreciar a vista. Impressionado com a estrutura e, confesso, meio temeroso, perguntei ao meu colega o que ele achava que segurava aquela coisa toda lá em cima.
"-Fé," ele disse.
Ser ateu naquela hora não me trouxe conforto algum.

Os seios da atendente

Na cidade há sempre shows diversos, cujos ingressos podem ser comprados em uma única guarita. De noite saímos em busca de um show do tipo "Viva Las Vegas," tradicional apresentação de algum personificador do Elvis. Aguardamos na fila de uma guarita e, quando chegou a nossa vez, antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, a atendente disparou: "Vocês querem ver peitos, certo?" Queríamos somente ver algum imitador do Elvis! Pensei em pedir pelo imitador que tivesse os maiores seios, para não frustrar a atendente, mas daí fiquei quieto pois achei que ela não entenderia a piada.

Nem tudo o que reluz é ouro

Noutra noite desci ao saguão do hotel, repleto de máquinas caça-níqueis e mulheres belíssimas, aqui e ali, sempre acompanhadas de algum trouxa que naquela noite gastaria até o seu último centavo com elas. Bebida em mãos, sondei o ambiente e vi próximo a uma das máquinas uma senhorita que parecia procurar alguma coisa no chão. Me aproximei e ela, meio cambaleante e bêbada por completo, resmungou comigo alguma coisa sobre o quarter dollar que havia perdido. Meu colega havia saído para passar a noite na cidade, me deixando o quarto vazio. "-Deus existe!" pensei. "Uma mulher bêbada (!) e um quarto só para mim é um presente bom demais para ser verdade." Um minuto de conversa mais tarde ela me diz que precisa ir porque a namorada a está esperando, e mata as minhas esperanças na hora. Na minha experiência, quando algo parece bom demais para ser verdade, normalmente o é. Deus é muito sacana.

Azar no amor, sorte no jogo (ou quase isso)

Frustrado e sem amor, fui jogar. Cassinos foram feitos para isso. Escolhi uma máquina guiado pelo prêmio principal, uma reluzente Harley Davidson. Ponho uma moeda no slot, puxo a manivela e aguardo as frutas se alinharem na tela: um limão, dois limões, três limões... seguro o fôlego... um pêssego. O caça-níqueis trava e emite uma sirene enquanto uma lanterna irradia uma luz vermelha intermitente, como a dos carros de polícia. Todos ao meu redor observam e há tensão no ambiente. Uma funcionária do cassino se aproxima, destrava a máquina e me dá míseros $15 dólares. Mais um limão e eu teria voltado a Los Angeles numa moto.

Flamingo drinking from a cocktail glass,
I'm on the lounge with someone else's wife,
Enjoy the view from out the top of the mast.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Fio da Navalha


Numa madrugada despreocupada, ligo a TV e me deparo com um filme, cuja abertura anuncia: “O Fio da Navalha - Baseado na obra de Somerset Maugham.” Ouvi o nome do autor pela primeira vez de um professor contador de boas histórias, aprendidas aqui e ali, irlandês cosmopolita que era. A referência era boa, segui assistindo.

A personagem principal, Larry, interpretada por Bill Murray, foge do seu modo de vida burguês na América rumo à Europa e, posteriormente, à Índia, em busca da vivência e do conhecimento que, esperava, responderiam às suas questões existenciais e dariam mais sentido à sua vida. Na trajetória de abnegação e desprendimento da personagem encontrei as respostas para alguns questionamentos que à época eu mesmo fazia. Também me estimulou a pôr o pé na estrada. Larry, baseado em uma pessoa real, personificava o tipo do sujeito que eu teria gostado de conhecer, assim como o próprio ator Bill.

Anos depois, no Emerald Inn em Manhattan, um colega interrompe um gole de cerveja e discretamente aponta para trás de mim, onde vejo Bill jogando dardos, se divertindo com alguns amigos. Poderia tê-lo convidado para se juntar a nós, mas não o fiz. Me pareceu inoportuno.

Saí do bar sabendo que nunca mais o veria. Não que tenha lamentado a oportunidade perdida: já havia aprendido com Larry a aceitar as circunstâncias e a prosseguir sem arrependimentos.